Por Ronaldo Souza
Uma vez estava conversando com alguém da cúpula da Odontologia baiana e dando uma rápida passada de olho em um pequeno jornal que estava sobre sua mesa, uma coisa chamou a minha atenção.
Era um desses jornais que alguém faz para divulgar as suas próprias virtudes, méritos e competência.
Figura conhecida por essas praias, não posso e não devo chama-lo de professor (ainda insisto em dar a essa expressão o respeito que ela merece e já teve).
Ele, o dono do jornal, é um dador de curso.
Lá estava uma foto de “primeira página”, tomando quase todo o jornal.
Ele, de short, à beira da piscina, com alunos e alunas de short e biquíni (turma pequena cuja maioria era de mulheres), tendo às mãos dentes extraídos e limas endodônticas.
Sim, isso mesmo.
Era uma aula prática (laboratório) de seu curso de Endodontia.
Uma aula piquenique. Certamente, bastante agradável.
A cena, pelo menos para mim, dispensava palavras para defini-la, mas, como se tratava de conversa informal, mostrando o jornal comentei:
– Já viu isso?
Na verdade, como bom baiano, eu devia ter dito:
Ó paí, ó (se não viu o filme, veja).
– O que é que tem?
Mesmo sabendo que era amigo dele, não contava com essa indagação, típica de quem não só já tinha visto como aprovado o teatro e mais uma performance do artista. Do alto da minha indignação, soltei o verbo.
– Você não acha isso um absurdo?
Pra que perguntei?
– Não acho nada demais, acho que você é que precisa evoluir. Tem que mudar a forma, buscar métodos novos… Ele é quem está certo…
Sabe aqueles rápidos segundos em que você “vê” uma cena? Transformei-a em palavras e disse.
– Confesso a minha dificuldade em ver um professor de cirurgia cardíaca em situação semelhante.
A conversa continuou um pouco mais e pronto.
Estava encerrada uma discussão sobre as “modernagens” que alguns iluminados impõem ao mundo.
Isso foi há cerca de 15 anos.
O profissional que gerou a polêmica não goza, digamos, de boa reputação. Na verdade, exige um certo esforço defini-lo desta forma. O comportamento dele permite o uso de palavras muito mais duras para isso.
Mas, a rigor, a não ser pelo grotesco e ridículo da cena, naquele episódio ele não estava infringindo nenhuma norma do código de ética. Era uma jogada de marketing e que o seu jornal tratou de divulgar.
Primeira página.
Nada que violentasse o código de ética, sem dúvida, no entanto, uma vez que determinados limites são ultrapassados, torna-se muito mais difícil o controle.
Como disse na oportunidade, não me parecia fácil imaginar um professor de cirurgia cardíaca dando aula na beira da piscina com alunos e alunas de short e biquíni.
Não por eventuais dificuldades técnicas, mas por ter consciência de que não se deve apequenar de forma tão grosseira os procedimentos da sua profissão.
Entretanto, muita coisa vem mudando e parece que, pela repetição, tudo tende a ser considerado normal.
O vídeo abaixo mostra com clareza a que nível chegou a autopromoção.
O vídeo choca porque nos faz imaginar como é possível um profissional da Medicina se tornar isso que ele mostra ser.
Detalhe, com milhões de seguidores.
Pode-se deduzir que entre esses milhões devem estar milhares de jovens médicos na busca desesperada por espaço. Fórmulas que lhes dizem que até 2018, portanto, nos próximos 3 anos (o vídeo é de 2015) a agenda daquele profissional está cheia representam “certamente” um profissional bem sucedido.
E rico.
Quer poder de sedução maior?
Mas isso não se manifesta somente dessa maneira tão grotesca. Ocorre também de outras formas, tão diversas quanto sutis.
Da mesma maneira que o MEC liberou geral e permitiu a atual proliferação de cursos de especialização (em cada esquina tem um), é inquestionável que sob a proteção do “o objetivo é ensinar” (!!!) a autopromoção vem ganhando novas formas.
O marketing pessoal através da enorme quantidade de vídeos na internet e as ligações de professores com empresas já atingiram níveis preocupantes.
Os jovens profissionais veem isso como parâmetro.
E os órgãos reguladores do exercício da profissão nada podem fazer, ou simplesmente se fecham os olhos?
A favor desses órgãos talvez se possa argumentar com a delicadeza do tema, aliás, manto sob o qual se escondem esses profissionais.
Nada a fazer então?
Ou, o que fazer?