Darwin, Copérnico, Galileu, Igreja e… Endodontia

Pensar

Por Ronaldo Souza

Durante um jantar em evento de Endodontia há 12 anos, em conversa com um colega de turma a quem não via há algum tempo ele me disse:

– Fulano acabou de me dizer que não lhe leva à cidade dele porque você “derruba” tudo que ele e o grupo dele ensinam.

Já tinha percebido isso.

De fato, apesar de já ter ido inúmeras vezes ministrar cursos na cidade dele e em outras do mesmo estado, em nenhuma delas tinha sido a convite dele e do seu grupo, do qual faz parte a professora que “em algum lugar do passado“ quase me agride.

Natural? Não.

Compreensível? Sim.

Qual a razão da dificuldade do convite que jamais chegaria?

A minha abordagem sobre particularmente dois temas sobre os quais falo há muitos anos; instrumentação do canal cementário (favor não confundir com ampliação foraminal) e o real papel da obturação.

Vivesse eu à busca de convites para dar cursos em “todas” as cidades, teria que ser mais esperto.

Bastaria entender a conveniência de alguns professores.

E aí, falando o que querem ouvir, agradaria e seria convidado.

Dizer o que querem ouvir é dizer o que todos dizem.

Dizer o que dizem nos torna iguais.

Entramos na corrente.

Entramos na igreja.

Por não concordar com o Criacionismo, teoria adotada pela Igreja que diz que Deus criou o homem e o universo, (Charles) Darwin criou o Evolucionismo, através do seu livro “A Origem das Espécies” (1859).

“Toda a vida teve origem espontânea e a evolução é a chave para a existência e a variedade entre as espécies”.
Evolucionismo x Criacionismo

Copérnico inicialmente e Galileu em seguida se opuseram à teoria também oficializada pela Igreja de que era a Terra e não o Sol o centro do Sistema Solar.

Apesar de todas as resistências e de “não serem convidados para palestras”, a Teoria Evolucionista de Darwin é hoje a mais aceita. Também não parece haver mais nenhuma dúvida sobre o que defenderam Copérnico e Galileu.

Mas ninguém é inocente a ponto de desconhecer a força da Igreja.

Ir no sentido oposto ao que ela diz faz tudo ser mais difícil.

E o universo se torna menor.

As igrejas, e aí já estou no universo da Endodontia, exercem muita influência no que deve ou não ser divulgado.

A igreja tem os seus compromissos. Ela diz o que lhe dizem pra dizer.

A igreja bola o que rola.

O céu não é azul

“Continuamos a acreditar que, apesar de haver fortes indícios de que o condicionamento ácido da polpa é uma alternativa viável e, algumas vezes, vantajoso em casos bem selecionados, ainda é cedo para abandonar totalmente o uso do hidróxido de cálcio nestas situações e recomendar a técnica como procedimento de rotina. Pelo contrário, acreditamos que para a maioria dos clínicos é prudente utilizar o hidróxido de cálcio”.
Baratieri, LN. Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades 2001

O condicionamento ácido da polpa, algo que não tinha sido devidamente investigado, foi amplamente divulgado e colocado como verdade clínica. E foi adotado por muitos professores de Dentística, quem sabe a maioria.

Ao perceber que aquilo que vinha preconizando já há algum tempo não tinha apresentado os resultados esperados por ele e seu grupo, Baratieri fez esse “pedido de desculpas” no seu livro.

Dá para imaginar quantas polpas devem ter sido sacrificadas pela divulgação dessa concepção?

Dá para imaginar quantos pacientes foram tratados de forma indevida?

Dá para imaginar quantas pessoas foram prejudicadas?

Considero esse “depoimento” do professor Baratieri uma das iniciativas mais interessantes, provavelmente única nesse sentido, que vi nos últimos tempos.

Não terá sido um ato de grandeza?

O que acontece no momento atual da Endodontia não faz ninguém pensar além do jardim?

Acostumei-me a ver o céu azul.

Para quem mora no Nordeste, como eu, o céu é azul.

No Farol da Barra, em Salvador, ele é mais azul.

E mais bonito.

Foto 2

Mas o céu não é azul.

No mesmo Farol da Barra me acostumei a vê-lo assumir outras cores, no mais belo pôr do Sol do mundo.

Por do Sol no Farol da Barra

É o olho que faz o horizonte

Já tinha escrito outras vezes sobre o Prof. Larz Spangberg, como em abril de 2012, e voltei a fazê-lo em fevereiro deste ano.

Faço um convite a você. Não deixe de ler o texto no qual traduzi e incorporei o editorial escrito por ele em julho de 2011, portanto, há 6 anos. Clique aqui Prof Larz Spangberg (e uma endodontia que não existe).

Trago alguns trechos daquele texto.

Ronaldo
As novas técnicas serão sempre bem-vindas em Endodontia, pelo que de bom podem trazer, mas, sem nenhum receio de como posso ser interpretado, arrisco-me a dizer que, neste momento, do que menos precisamos é de técnicas novas. Precisamos, isso sim, consolidar os princípios estabelecidos e consagrados que deveriam reger a Endodontia. Assim, saberemos ver o real valor do que já existe e do que ainda virá. Caso contrário, veremos cada vez mais profissionais serem induzidos por caminhos no mínimo duvidosos.

É cada vez mais comum jovens profissionais “escolherem” esses caminhos, devidamente auxiliados pelos novos donos da verdade que, mesmo sob o manto da humildade e de um altruísmo tão sólido quanto uma geleia, frequentemente deixam vir à tona a sua arrogância e prepotência cada vez que se sentem contrariados nas suas sábias e doutas opiniões.

Prof. Spangberg
Na maioria das vezes, os avanços em anos recentes têm sido associados ao desenho dos instrumentos e materiais
, o que tem resultado em melhora onde o tratamento pode ser feito com o menor sofrimento para o paciente em menor tempo. Entretanto, há pouca evidência de que o resultado do tratamento seja melhorado de forma significante.

todas essas informações se perdem nos consultórios, onde o conhecimento tem sido brutalmente ignorado num processo chamado de “fazer um canal”

A despeito desse conhecimento, a maioria dos dentistas usa somente uma forma de tratar o canal, superficialmente conhecida como “fazer um canal”.

Por essa razão, as associações de especialistas, como a Associação Americana de Endodontia, devem olhar além do seu interesse paroquial e político.

Haverá sempre alguém resistindo a esses movimentos de mercantilização do ensino.

Spangberg sempre foi um desses.

“Essa teoria é ensinada até hoje em muitas escolas nos Estados Unidos e até mesmo no Brasil”.

Do que falo quando reproduzo a frase acima?

Ela foi retirada do mesmo texto que referenciei lá em cima quando falo de Evolucionismo e Criacionismo, mas pode ser usada exatamente da mesma maneira no momento atual da Endodontia.

Poucas vezes se viu tão forte quanto agora a influência de autores estrangeiros entre nós. Eles deixaram de ser somente referenciados. Agora são reverenciados.

Quem você pensa que está dizendo a você quais e quantos instrumentos usar?

São eles.

Quem você pensou que era?

A endodontia brasileira perdeu o filtro que somente os verdadeiros mestres possuem.

Como Darwin, Copérnico e Galileu, a geração de ouro ousou pensar e construir a Endodontia Brasileira.

Alguém pode traze-los de volta?